ENTREVISTA: Maria Fátima das G. F. da Silva MOLÉCULA DO DIA: Cumarina

Notícia 6.jpg   ENTREVISTA: Maria Fátima das G. F. da Silva MOLÉCULA DO DIA: Cumarina

    Este projeto é uma homenagem aos profissionais que escolheram a química para guiar seus sonhos. No projeto dos 365 dias com a Química,
    temos 1 entrevista e a apresentação de 1 molécula por dia. As moléculas que estão sendo apresentadas não foram escolhidas pelos entrevistados.
    Elas são compiladas por um grupo de alunos de doutorado da UFRJ, com o apoio do grupo da QNINT/ SBQ."

Publicado em 26/12/11
Fonte: 
http://www.quimica2011.org.br


1- Como e quando tudo começou?

 

Em 1974 quando entrei no grupo do Prof. Otto R. Gottlieb, ele estava iniciando a área de pesquisa em quimiossistemática no Brasil. O objetivo dele era desenvolver metodologias que quantificassem os metabólitos secundários encontrados em plantas. Ele pretendia fazer uma comparação com classificações já existentes, as quais quantificavam características morfológicas. Os nossos resultados pareciam bons, mas discordavam com um ou outro sistema de classificação. Porém, nós não tínhamos experiências em botânica para dizer se as modificações que a nossa metodologia propunha, concordavam com os melhores sistemas de classificações morfológicas. Com isso, sentimos a necessidade de nos unirmos a um grupo de sistemátas. Assim, o Prof. Otto procurou o grupo do Departamento de Botânica do Instituto de Biociências da USP - São Paulo para nos ajudar. Fazíamos reuniões a cada quinze dias. Foram nestas reuniões, que aprendemos que cada botânico defende um sistema de classificação. Porém, alguns sistemas eram de aceitação mais ampla.

Após um ano de reuniões com estes botânicos, verificamos que a metodologia desenvolvida pelo grupo era reprodutiva e os resultados coerentes com sistemas de classificações mais modernas, cujas modificações muitas vezes coincidiam com aquelas propostas por nós. Trabalhei com "Métodos Quimiossistemáticos, Aplicação a Famílias Vegetais Caracterizadas por Cumarinas".

O trabalho da minha tese de doutorado, inicialmente, exigia um levantamento bibliográfico, o qual foi feito usando como palavra chave "cumarinas". Ainda me lembro o quanto isto era difícil, comparando com os sistemas "on line", que os nossos alunos têm acesso hoje. Eu consultava o índice decenal do Chemical Abstract, em seguida lia todos os resumos indicados, aqueles que se referiam à ocorrência de cumarinas, eu tomava nota da referência e se esta não havia no acervo da biblioteca da USP, solicitávamos a outras bibliotecas através de um sistema similar ao COMUT. Era necessário ler todos os artigos originais, pois os resumos no C.A., em geral, só citam as ocorrências de substâncias novas. Geralmente, as ocorrências de substâncias conhecidas não são citadas nem mesmo no "abstract" do trabalho, apenas no texto.

Em 1979, o Prof. Otto sentindo a necessidade de nos interagirmos com um número maior de botânicos, ele sugeriu que iniciássemos uma reunião científica anual sobre "Evolução, Sistemática e Ecologia Micromoleculares", visando convidar sistemátas de diferentes universidades e centros de pesquisa. Neste mesmo ano tivemos a primeira reunião anual. Coincidência ou não, foram estas reuniões que me levaram à atual linha de pesquisa que desenvolvemos. Na segunda reunião, conheci a Profa. Ana Maria Julietti, a qual orientava um aluno em sistemática de Rutales. Ela e mesmo os demais botânicos que se reuniam conosco, não eram favoráveis às nossas novas metodologias. Mas, seu aluno de mestrado, José Rubens Pirani, o qual na época estudava "As Rutales da Serra do Cipó", talvez por ser mais jovem, aceitava a inclusão de dados químicos em sistemas de classificação. Ele terminou o seu mestrado e me presenteou com um volume de sua dissertação, a qual até hoje é muito utilizada pelos nossos alunos de pós-graduação.

Na época sugeri ao Prof. Otto completarmos o estudo das demais classes de substâncias que ocorriam em Rutaceae, visando verificar se os resultados seriam os mesmos ampliando os marcadores químicos. Inicialmente, consultei o Pirani sobre uma lista de todos os gêneros de Rutaceae. Ele me forneceu e, assim, fiz o levantamento de todos os gêneros estudados do ponto de vista fitoquímico. Com os dados em mão, iniciamos o estudo quimiossistemático com um número bem maior de marcadores. Fui a pioneira neste tipo de trabalho, pois até aquela época trabalhava-se apenas com um grupo biogenético como marcador.

Este foi o meu último trabalho em colaboração com o Prof. Otto. Estar junto a este grupo foi excelente, pois ganhei uma visão sobre quase toda a química do reino vegetal. Cada membro do grupo trabalhava com uma classe de substância e sua ocorrência, e todos os resultados eram discutidos em grupo em reuniões semanais. Por esta razão, sou ainda hoje procurada por jovens doutores, me pedindo sugestões sobre que família vegetal escolher para iniciar uma nova linha de pesquisa. Também já fui procurada por indústrias pedindo informação de onde encontrarem certas classes de substâncias bioativas. Após alguns anos nesta área, estes conhecimentos me permitiram uma facilidade muito grande em elucidação estrutural de produtos naturais, pois apenas com uma fórmula molecular e as possíveis diferentes classes de substâncias vêm na cabeça.

Coincidência ou não, o início da minha linha de pesquisa independente do Prof. Otto iniciou-se em 20 de maio de 1981. Nesta época eu era assinante do Jornal O Estado de São Paulo, o qual circulava uma vez por semana um suplemento chamado "Suplemento Agrícola". Em 20 de maio de 1981 este suplemento trouxe uma matéria sobre plantas ornamentais, escrito por Hermes Moreira de Souza. Entre estas plantas este pesquisador indicava Dictyoloma incanescens e Galipea jasminiflora, duas Rutaceae.

Neste período eu ainda estava muito atarefada com os estudos quimiossistemáticos de Rutales e, com isto, apenas no ano seguinte em 12 de maio de 1982 escrevi a Hermes Moreira de Souza, solicitando para estudo fitoquímico, exemplares das plantas publicadas por ele no Suplemento Agrícola. Foi muito engraçada a resposta dele, ficando claro que ele não tinha noção sobre fitoquímica. Com a resposta, eu tive acesso ao seu telefone no Instituto Agronômico de Campinas, assim, telefonei e perguntei se ele poderia nos receber pessoalmente para discutirmos sobre o assunto. Ele insistia e dizia que não adiantaria porque ele não tinha semente para nos fornecer para plantação. Após várias explicações ele concordou em nos receber. Fomos a Campinas e pessoalmente ele nos entendeu bem melhor e nos forneceu várias partes dos vegetais Dictyoloma incanescens e Galipea jasminiflora para estudo.

Todas estas informações eu as tinha conseguido sozinha, assim, não via necessidade da participação do Prof. Otto. Fui a São Paulo, comentei o fato com ele e disse: "Prof. Otto, nós pretendemos fazer o estudo fitoquímico destes vegetais, porém sem a sua colaboração, pois sentimos a necessidade de iniciarmos uma linha de pesquisa independente. Todo e qualquer trabalho puramente quimiossistemático me comprometo em fazê-lo em colaboração com o senhor, porém fitoquímica com ênfase em quimiossistemática, eu gostaria de fazê-lo independente". De imediato ele respondeu: Excelente, quanto à fitoquímica me preocupo só com as "Lauraceae e Miristicaceae".

Com a resposta positiva do Prof. Otto, iniciamos o "Estudo Fitoquímico e Quimiossistemático das Rutales". Nesta época o meu contato com José Rubens Pirani era freqüente e este vem contribuindo conosco na identificação e coleta de quase todos os vegetais de Rutales que estudamos.

Ao eu retornar do pós-doutorado, com uma experiência maior em fitoquímica, nos tornamos três a orientar diretamente no laboratório, e, com isto, a nossa produção científica melhorou e se consolidou. O tema central passou a ser o isolamento e elucidação estrutural de metabólitos secundários de plantas, visando à aplicação dos resultados na investigação de vários problemas:

1- Atividades biológicas dos compostos puros isolados, 2 - O significado filogenético da distribuição dos metabólitos secundários na planta, 3 - A importância ecológica dos metabólitos secundários na interação planta/inseto.

Parte desta pesquisa tem sido centrada na flora brasileira com particular interesse nas plantas das famílias da Ordem Rutales.


2- Por que fez essa escolha profissional?

Quando entrei na Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Ribeirão Preto, SP, havia o chamado "CICLO PROPEDÊUTICO", coincidência ou não, esta foi a minha sorte. Dada a minha formação para Professora Primária, entrei na Universidade visando fazer Psicologia. No primeiro ano fazia-se todas as disciplinas básicas dos cursos oferecidos pela Universidade. Assim, em 1970 cursei Matemática, Introdução à Biologia Experimental, Inglês, Física Geral, Introdução à Psicologia Experimental e Química Geral. No segundo semestre do curso, o qual era anual, assistindo uma aula de Matemática, em que o professor era "Roberto Toffet", o mesmo que ministrou aula para mim no curso Colegial para Professor Primário, ele faz o seguinte comentário: "Você sempre teve facilidade para matemática; você está na universidade errada, aqui você não tem a opção de fazer matemática. No ciclo profissional o que você pretende fazer?" Eu respondi com a tristeza que era aparente, "P-si-co-lo-gia" (realmente foi soletrando). Imediatamente ele respondeu: "Isto seria um crime, você tem que ir para a área das exatas". Eu respondi: "Só me resta a Química, a qual eu adoro, mas o meu irmão faz este curso e eu não gostaria nunca de ter sucesso e este ser atribuído ao apoio do irmão". Ele respondeu: "Um conselho de quem já foi seu professor várias vezes, faça Química que um bom profissional sabe analisar a competência de um aluno e perceber a sua independência". Coincidência ou não, foram as palavras deste professor que me estimularam a seguir em química no ano seguinte, no ciclo profissional.


3- Quais são suas atividades profissionais atualmente? Gostaria de destacar alguma do passado?

Atualmente sou Professora e Pesquisadora do DQ-UFSCar, Editora Regional da Revista Latinoamericana de Química (Estado de México) e Fellow of the International Union of Pure and Applied Chemistry (IUPAC) desde 2008.

No passado fui Membro Titular da Divisão de Química Orgânica e Biomolecular, Titular Member of the Division of Organic and Biomolecular Chemistry of The International Union of Pure and Applied Chemistry (IUPAC) (2004-2007), Vice Diretora da Divisão de Produtos Naturas da SBQ (2004-2006), Diretora da Divisão de Produtos Naturais - SBQ (2006-2008) e Coordenadora do Programa de Pós-Graduação do PPGQ-UFSCar 2004-2008.


4- Se pudesse escolher uma descoberta da Química para ter realizado, qual seria?

O meu sonho seria entender porque as plantas sintetizam as substâncias complexas do metabolismo secundário. Para mim elas são substâncias sinalizadoras de eventos ocorrendo na planta, como o ataque de algum predador. Não acredito que elas seriam sintetizadas para que a planta se defenda do predador. Acredito que elas sinalizam genes que codificam caminhos reacionais de defesa. Já iniciei nesta área, mas com certeza não haverá tempo para entender esta complexidade das plantas.


5- Alguma sugestão para os novos profissionais e estudantes?

 

Costumo dizer aos meus alunos que eu não terei tempo para entender as Rutales, mas que eu ficarei vigiando (não sei de onde?) se eles estarão atuando nesta área e entenderão este fenômeno. Ou seja, sugiro aos novos profissionais que atuem nesta área, pois se conhecermos o porquê as plantas sintetizam substâncias tão complexas, poderemos no futuro solicitar "quimicamente" que elas o façam, mas em quantidades maiores, no caso daquelas com atividades interessantes.


6- Quais barreiras a Química precisa ultrapassar ou quais perguntas ainda precisam ser respondidas?

 

Porque as plantas sintetizam as substâncias complexas do metabolismo secundário?